Dilma não teve a sorte de Lula que recebeu o governo de Fernando Henrique sem o compromisso. Como o comandante que recebe o Boeing para pilotar com todos os assentos vazios e pode escolher os seus passageiros e tripulantes. Ela já recebeu o avião superlotado e ninguém quer desembarcar, enquanto uma fila enorme disputa a chance de entrar e sentar logo na janela.
Dilma teve ainda a sorte - e o País o azar - de contar com Zé Dirceu na Casa Civil. Ele sabia negociar bem com a esperteza e a malandragem dos aliados, ao contrário de Pallocci, que é uma garantia de seriedade, mas não tem ainda o jogo de cintura para enfrentar os companheiros aliados. O PMDB, assim como o PT e demais partidos aliados, não cuidam de buscar pessoas para os cargos, mas cargos para as pessoas.
A nova presidente não teve a chance de fazer o que fez o governador Agnelo, de Brasília. Depois de derrotar a quadrilha que transformou por anos o Distrito Federal no maior foco de corrupção da administração pública brasileira, ele teve tranquilidade para demitir, num decreto só, todos os 18 mil ocupantes de cargos em comissão no governo de Brasília. E vai extinguir metade deles. Refém dos amigos, a presidente está com a faca no pescoço.
Sem os votos deles no Congresso, não terá condições de governar. A discussão em tor no do salário mínimo já é uma pequena amostra dos problemas que enfrentará nas duas casas do legislativo. Mas dona Dilma mostra que não tem o mesmo desprendimento do antecessor, que muito bem sabia o que era entregar os anéis para não perder os dedos. Tem resistido a botar raposas para tomar conta de galinheiros.
A questão é saber até onde vai nessa resistência. Ao recusar a presença do ministro Edison Lobão no grupo de coordenação do governo ela mostrou que não vai se deixar dobrar facilmente. Por que um olheiro do PMDB na mesa onde já tem assento o próprio presidente do Partido e vice-presidente da República, o companheiro Michel Temer? O momento é mais grave do que se pensa para o País.
O cidadão brasileiro, que tem consagrado e chancelado nas urnas o que de pior existe em termos de métodos políticos no País, pode se redimir adotando uma postura de vigilância, pronto para ir às ruas não apenas para protestar contra os erros e desmandos dos governos, mas também para apoiar e defender os seus acertos.
Nessas duas semanas, a presidente já mostrou pelo menos uma coisa: que não se pode confundir continuidade com continuísmo em matéria de governo. Vamos torcer para que ela não seja, como o cara, uma metamorfose ambulante.
Rangel Cavalcante, Diário do Nordeste, 16/1/2011
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