Há quatro anos o Ceará apresentou à população do Estado o programa Ronda no Quarteirão, desenvolvido dentro do conceito de policiamento comunitário para tentar oferecer aos cearenses maior segurança.
Ao contrário do que esperavam seus idealizadores, contudo, o programa ganhou destaque menos pela boa atuação e mais por frequentes e escandalosos desvios de conduta de agentes, que, em vez de proteger, acabaram assustando a população.
No mais recente deles, no final de abril, três soldados da Polícia Militar foram filmados acariciando mulheres dentro do carro, por câmeras que estavam no próprio veículo em que trabalhavam. Após a comprovação das imagens, os três foram banidos da corporação.
Em junho de 2010, o adolescente Bruce Christian de Oliveira, de 14 anos, vinha na garupa da moto com o pai e foi baleado na nuca por um PM do Ronda. Outro caso que chocou a população foi o de espancamento de quatro jovens, em março de 2009.
Diversas vezes veículos do programa foram flagrados estacionados em frente a bares e restaurantes, enquanto policiais faziam refeições sem precisar abrir a carteira. Os comerciantes, com o objetivo de ter o policiamento por perto, forneciam gratuitamente alimentos para os policiais.
Os veículos do programa são uma questão à parte. O edital do governo do Ceará exigiu que eles deveriam ser equipados com motor a diesel, ar condicionado, air bag para motorista e passageiro, tração 4 x 4, câmbio automático e freios ABS. O único carro do mercado com todas essas exigências era a SUV Hilux SW4 Diesel, da Toyota.
E foi em uma das 308 Hilux vencedoras da licitação que, na madrugada de 11 de agosto de 2010, três policiais foram presos, em flagrante, acusados de dormir no carro durante o horário de serviço. A caminhonete estava estacionada dentro de um colégio no bairro Vila Velha, em Fortaleza.
Num capotamento em agosto de 2010, entre as cidades de Coreaú e Frecheirinha, um PM morreu e uma adolescente de 15 anos, que também estava no carro, ficou gravemente ferida. Fardados e em horário de serviço, os policiais haviam usado a Hilux da 2ª Companhia do 3º Batalhão para ir a um bordel.
Outro lado
Cada veículo do Ronda no Quarteirão deve atuar num raio máximo de 3 km², e, cada ocorrência, ser atendida em cinco minutos. O programa está presente em 43 municípios cearenses, todos com mais de 50 mil habitantes.
O coronel Gomes Filho, quarto comandante do Ronda do Quarteirão, no posto desde fevereiro deste ano, afirmou à reportagem do UOL Notícias que esse trabalho vem sendo feito. Segundo o coronel, os desvios de conduta são pontuais e não representam a maioria do grupo.
Ele não soube precisar quantos policiais foram flagrados em situações de desvio de conduta. “Mas todos os casos estão sendo investigados. Aqueles cuja autoria foi confirmada acabaram expulsos da corporação”, afirmou Gomes Filho. De acordo com o comandante, os desvios cometidos pelos PMs não ocorrem por falta de preparo.
O presidente da Associação dos Praças da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros, subtenente Pedro Queiroz, pensa diferente. Segundo ele, o Ceará trabalhava com seis meses de duração para o curso de formação de um policial. “Com a pressa dos gestores, a formação diminuiu para três meses”, informou Queiroz.
Recursos nunca faltaram para o Ronda, como é chamado o programa. Desde que foi criado, em 2007, recebeu orçamentos polpudos: R$ 58 milhões em 2007, R$ 88 milhões em 2008 e, em 2009, R$ 353 milhões. É o maior da segurança pública do Ceará.
População critica
No primeiro mês de lançamento do Ronda do Quarteirão no Ceará, em novembro de 2007, a população estava confiante. O programa era uma promessa do governo. Policias e carros despertavam admiração quando passavam pelas ruas e avenidas de Fortaleza. Isso mudou.
Jamile Franco, 26, disse acreditar que a imagem dos policiais foi muito prejudicada pelos escândalos. Ex-mulher de um soldado do programa, a jovem acha muito difícil os PMs conseguirem mudar isso agora: “Alguns poucos policiais estragam a reputação de todo mundo”, disse. A colega, Luciana Fernandes, disse concordar: “É um bando de meninos com arma nas mãos”.
Para a agente de saúde Verônica de Lima Bessa, 26, faltou preparo às primeiras turmas dos policiais militares. “Você pega meninos saídos da adolescência e dá poder, sem treinamento adequado, claro que não vai sair nada de bom daí”, afirmou.
Já o vendedor de lanches David Dias, 28, é um defensor do Ronda. Segundo ele, antes do programa a população não via sequer policiais nas ruas. Agora, uma viatura passa constantemente pelo seu bairro, Bom Jardim, considerado um dos mais perigosos de Fortaleza.
“Claro, muito ainda precisa ser feito”, afirmou. “No fim das contas, não dá para esperar mesmo que todos sejam honestos”, disse Dias.
Fonte: UOL