A
escola campeã no ranking do MEC segue uma cartilha
que deu certo em outros países: investe nos professores
que deu certo em outros países: investe nos professores
| Luis
Mota |
Fica
no Piauí a melhor escola de ensino médio do Brasil, de acordo com
o recém-divulgado resultado do Enem – exame aplicado a 2,7 milhões
de estudantes pelo Ministério da Educação (MEC). De 21.000
escolas públicas e privadas avaliadas no Brasil inteiro, o Instituto Dom
Barreto, uma particular da capital, Teresina, destacou-se como exemplo de excelência.
A campeã de Teresina surpreendeu os especialistas por duas razões.
Em primeiro lugar, por ter sido revelada num estado paupérrimo, cujas escolas
– públicas e particulares – costumam ficar entre as piores do
Brasil nesse tipo de exame. No Enem, enquanto os piauienses patinaram numa nota
ainda mais baixa do que a brasileira – 38,7 em 100, contra uma média
nacional de 42,5 –, o Instituto Dom Barreto sobressaiu com a nota 74. Em
segundo lugar, o que chamou atenção nessa escola foi o fato de ela
ter reproduzido com sucesso no Piauí idéias que provaram ser eficientes
em países onde a educação funciona, como Finlândia
e Coréia do Sul. Diz a especialista Maria Inês Fini: "O problema
no Brasil é que as escolas estão atrás de algo que não
existe: uma fórmula mágica para o bom ensino". Não tem dado
certo, como comprovou o Enem.
O bom desempenho do Instituto Dom Barreto deve-se, em boa parte, ao investimento
na formação e atualização dos professores. Eles não
lecionam sem antes assistir a aulas com os próprios autores dos livros
didáticos, contratados pela escola para ensiná-los a fazer o melhor
uso do material. São obrigados também a reservar uma hora do dia
à confecção de um detalhado roteiro para a aula. Uma visita
ao Dom Barreto revela um fato ainda mais incomum: longe das lamúrias típicas
da classe, os professores de lá se declaram satisfeitos – 80% estão
na escola há mais de uma década. Outro termômetro do contentamento
geral vem de relatos como o da coordenadora Terezinha Ferreira, 42 anos, há
dezoito no colégio. Ela conta que teve duas especializações
e um mestrado patrocinados pela escola. Detalhe: ao longo de quatro anos, sua
carga horária foi suavizada para que conseguisse dar conta dos cursos.
"Eu relatava essa história a colegas de outras escolas e eles achavam que
eu estava mentindo", lembra Terezinha. Os professores do Dom Barreto também
concorrem a um prêmio anual, dado ao melhor profissional em sala de aula,
com base nas notas dos alunos. O campeão deste ano receberá uma
viagem à Europa. Ao contrário do que ocorre na maioria das escolas
do país, o mérito é reconhecido – e estimulado. Os maus
resultados, por sua vez, ficam em evidência.
| RJ |
A número 1 no Enem reforça, portanto, a eficácia de um tripé
consagrado pela experiência internacional: combina metas curriculares bem
estabelecidas, professores preparados para executá-las e um sistema desenhado
para cobrar resultados. Não espanta pela originalidade, mas, sim, pelo
pragmatismo – uma qualidade ainda distante das escolas brasileiras. A aplicação
disciplinada de fórmula semelhante também ajuda a esclarecer o sucesso
das escolas técnicas federais no ranking oficial. Na lista das 100 melhores
na prova do MEC, treze se enquadram nessa categoria, entre elas a Escola Politécnica
Joaquim Venâncio. Além do currículo básico, elas preparam
os estudantes para exercer um ofício de nível médio. São
uma espécie de elite na rede pública: com mais dinheiro, atraem
os melhores alunos e professores. Resume o especialista Claudio de Moura Castro:
"Elas estão voltadas para os resultados – não têm espaço
para conversa fiada nem discurso ideológico". Em comum, os estudantes das
escolas técnicas federais e da campeã Dom Barreto permanecem oito
horas em sala de aula – o dobro da média nacional (no caso do Piauí,
paga-se mensalidade de 500 reais pelo pacote, até um terço do que
cobram as melhores escolas de São Paulo). É no período extra
que os alunos assistem a aulas de xadrez, grego antigo e geografia do Piauí,
descritas com entusiasmo pelos alunos. Esticar a jornada de estudos contribuiu
nas últimas décadas para a melhoria do ensino nos países
desenvolvidos. O Enem indica que pode funcionar também no Brasil.
As escolas de sucesso na prova do MEC são exceção num universo
marcado por maus exemplos. Num patamar que se situa entre o "ruim" e o "péssimo",
aparecem instituições como o Colégio de Vila Gustavo, na
periferia da capital paulista – a última colocada entre as particulares
urbanas do estado de São Paulo, com média 30,62 numa escala de 0
a 100. Sim, a melhor escola brasileira está no Piauí, um dos estados
mais pobres do país, e uma das piores localiza-se em São Paulo,
o mais rico. A diferença entre elas, no entanto, é muito maior.
No Colégio de Vila Gustavo, as salas vivem vazias – professores e
alunos têm o hábito de matar aula. O geógrafo Carlos Ribeiro,
há um ano diretor da escola, reconhece o desânimo geral, problema
que ele atribui às aulas, "monótonas" e baseadas na "decoreba".
"É uma vergonha", admite Ribeiro. Outras comparações entre
a escola de Teresina e a da periferia de São Paulo ajudam a jogar luz sobre
o abismo que as separa. Enquanto no Dom Barreto os professores utilizam uma lousa
eletrônica para apresentar aos alunos formas geométricas, no Vila
Gustavo o laboratório de computação está desativado.
A escola do Piauí possui a maior biblioteca do estado. Na escola de São
Paulo, os livros ficavam alojados, até pouco tempo atrás, num porão
que espantava as pessoas por ser escuro e malcheiroso – agora estão
encaixotados à espera de uma nova biblioteca. No Piauí, exige-se
dos estudantes a leitura de vinte livros por ano. Em São Paulo, os alunos
é que escolhem se lêem – ou não. E é claro que
a maioria não lê nada.
| Gabriel
De Paiva/Ag. Globo |
Da experiência do Instituto Dom Barreto depreende-se ainda a importância
de um diretor que, além de assumir as tarefas administrativas, esteja engajado
na vida acadêmica. O matemático Marcílio Rangel de Farias
– que em 1983 assumiu o comando da escola, de propriedade de uma ordem de
freiras holandesas, e a dirigiu até a sua morte, no ano passado –
nunca pegou um avião para ir à Coréia do Sul ou à
Finlândia, mas tinha os livros sobre a experiência desses países
como uma espécie de bíblia. As três irmãs de Rangel,
que o sucederam na direção, continuam a acompanhar tudo o que se
passa na rotina escolar. Professores que costumam esticar o expediente contam
que é comum vê-las debruçadas sobre os boletins dos 2.400
estudantes (do ensino infantil ao médio) que freqüentam a escola.
Diante de notas baixas, as irmãs Rangel convocam professores e alunos para
diagnosticar o problema – e traçar metas para sua solução.
Com o relatório do
Enem nas mãos, as diretoras do Instituto Dom Barreto ficariam apavoradas.
Criado em 1998 para medir o nível dos estudantes ao final do ciclo escolar,
o exame do MEC revelou que, além de sofrível, a qualidade do ensino
ainda experimenta uma trajetória de queda desde 2002. A prova, que testa
a capacidade do aluno de aplicar o saber teórico a situações
práticas, mostrou que os estudantes brasileiros estão a léguas
de distância disso: enquanto 98% dos alunos da escola campeã do Piauí
conseguem vaga nas melhores universidades do país, quase metade dos jovens
no Brasil ainda empaca na leitura de um texto simples. Diz o ex-ministro da Educação
Paulo Renato Souza: "A educação brasileira só vai deixar
de ficar em último lugar quando for implantado no país um sistema
que premie as melhores escolas e penalize as que oferecem ensino de terceira linha".
Por enquanto, o Enem serve apenas para revelar exemplos solitários de sucesso,
como o Instituto Dom Barreto – e dar a dimensão do desastre nacional.
Monica
Weinberg e Marcos Todeschini
Fonte: Revista veja