De um lado, 200 garrafas vendidas por mês no boca a boca; de outro, cinco por segundo nas prateleiras de supermercados e lojas especializadas do Japão ao Brasil. Uma é cachaça tipicamente mineira e o outro o uísque mais famoso do mundo. Um tem ação na Bolsa de Nova Iorque e outra funciona num quartinho improvisado da casa de um dos sócios. As diferenças são inúmeras, mas ainda assim a gigante Diageo, holding detentora do uísque Johnnie Walker e outras dezenas de bebidas famosas, entrou com ação no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) pedindo que seja cancelada a certificação de um produto mineiro: a cachaça João Andante. A multinacional acusa jovens empresários mineiros de terem plagiado o nome e a marca do destilado escocês na criação da pinga, que seria uma tradução livre de Johnnie Walker.
O imbróglio envolvendo a aguardente e o uísque iniciou-se em 7 de fevereiro, no último dos 180 dias previstos para que fossem apresentados recursos contra a certificação do produto mineiro. Às vésperas do fim do prazo de contestação, representantes da holding no Brasil encaminharam notificação extrajudicial dando cinco dias para que o grupo de mineiros retirasse o pedido de certificação. O documento deixou os irmãos Gabriel e Mateus Lana, o primo Rafael Vidigal e o amigo Gabriel Moreira, sócios e criadores da cachaça, com os cabelos em pé. “Qual o porquê de tamanha ameaça?”, questionaram-se, uma vez que o produto já havia sido registrado no Inpi, em 2008, e, dessa vez, o processo era apenas para revisão da marca.
Na peça judicial, o escritório que defende a Diageo no Brasil apresenta como argumento a história de quase dois séculos do uísque, as supostas semelhanças entre as duas marcas e duas citações da internet que associam o produto mineiro ao destilado escocês. A primeira diz que João Andante seria um primo de Johnnie Walker que veio para o Brasil durante a 1ª Guerra Mundial e, impedido de fabricar uísque diante da falta de matéria-prima, resolveu fabricar cachaça. A segunda mostra uma foto de um comprador da pinga com a garrafa em mãos e a seguinte frase: “João Andante, a original! Se cuida Johnnie Walker” (sic). E acusa de má-fé os criadores da cachaça: “(…) a marca atacada padece do requisito da distintividade, sendo certo que, na mente do consumidor, a lembrança do signo da suplicante confunde-se com o sinal da suplicada. Resta evidente o intuito da suplicada de ficar à sombra da marca suplicante, tentando usurpar para si a clientela, como fazem todos os mal-intencionados”, diz a petição.
Os sócios se defendem das acusações dizendo que não copiaram a marca da Johnnie Walker e apenas “inspiraram-se” no produto. Numa ação despretensiosa de jovens muito bem preparados, a cachaça foi inventada quando três dos amigos ainda estudavam na Escola Técnica de Formação Gerencial do Sebrae, em 2003. Adolescentes, aos 15 anos, numa conversa de corredor, meses antes de um deles viajar para intercâmbio na África do Sul, um dos amigos disse que um dia fabricaria a pinga João Andante. O nome chamou atenção e, ao retornar do período no exterior, a surpresa: os amigos entraram com pedido de patente do produto. “Pedimos uns R$ 600 emprestado para o meu pai e corremos atrás do registro”, afirma Gabriel Lana, que, inclusive, transformou o produto em tema do trabalho de conclusão de curso do Sebrae.
E tem mais: na avaliação dos jovens empresários, o plágio se caracterizaria por gerar confusão entre os consumidores. “Se fosse uma cópia, teríamos uma caixa quadrada e vermelha. Mas não. A nossa é marrom e redonda. Eles estão subestimando a inteligência do consumidor. Você acha que alguém vai confundir um uísque com uma cachaça?”, criticam os quatro, três deles hoje com 25 anos, reiterando que as duas bebidas nem mesmo dividem as prateleiras, pois, por enquanto, a venda da pinga é feita exclusivamente para amigos.
A justificativa para que a marca seja contestada, segundo os jovens, pode extrapolar o plágio. Em pesquisa na internet, eles descobriram que há dois anos a Diageo comprou a pinga Nega Fulô com o objetivo de investir na cultura local e, com isso, a tentativa seria de proteger outra marca do grupo. O Estado de Minas entrou em contato com a assessoria de imprensa da Diageo no Brasil, mas não teve retorno até o fechamento da edição.